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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Família de Viriato de Castro está em Brasília há mais de 200 anos


O avô e o pai ajudaram a alimentar o sonho da nova capital. E ele mora numa casa centenária onde o tempo não se apressa e se vive vagarosamente. "Não vim. Brasília é que veio", ele diz

Publicação: 15/05/2010 
 (Com a mulher, Maria Clementina, ele retoma o tempo:
Quando perguntam a Viriato de Castro, 73 anos, de onde veio, ele responde: “Não vim. Brasília é que veio”. O velho goiano de chapéu de feltro, veias em alto-relevo e pele tostada da peleja na lavoura está aqui há mais de 200 anos. Não ele propriamente dito, claro. Mas a sua origem, os seus descendentes, os mineiros que vieram para o sertão goiano atrás de terra primitiva, como eles chamavam as sucessivas e infindáveis chapadas devolutas onde mais tarde surgiria a nova capital.

Todo o rosto de Viriato é um sorriso quando ele é convocado a dizer se gosta de Brasília: “Tenho até que conhecer o mundo pra ver se tem uma igual, tão linda que é. Como é que alguém teve a ideia de fazer tudo isso? Aquelas tesourinhas, a largura das ruas, aquela Praça dos Três Poderes, aquilo ali é um trem muito valioso. Bonito demais”.

Brasília é uma miragem na memória de Viriato de Castro. Raramente, ele desce a serra até o Plano Piloto. Salvo algumas interrupções, passou a vida na fazenda ao lado da Lagoa Mestre d’Armas, vendo a Terra girar em torno do Sol e Brasília crescer ao redor da casa de adobe com uma cruz de madeira no frontispício. É uma construção que tem mais de 120 anos, pelos cálculos de Viriato. Há feridas no reboco, os caibros do telhado estão perigosamente corroídos, as telhas originais se encontram escurecidas, as janelas são de alumínio — mas as portas de madeira, compridas e largas, continuam soberbas — e o assoalho de tábua sem remendos nem deformações segue plácido e potente.

Velha casa
Quando Brasília estava chegando, Viriato preparava a mudança para a casa de duas janelas e porta-balcão. Em 1959, ele se casou com a mineira Maria Clementina, filha dos mais antigos moradores de Brazlândia. O casal se mudou para a casa, que já era quase centenária, e, para tanto, trocou o madeiramento do telhado. Foi a última grande reforma feita numa das mais antigas construções que ainda estão de pé no Distrito Federal.

A mudança para a casa velha, rodeada de monjolos, aconteceu dois anos depois de Planaltina começar a receber agitados visitantes. Eram os primeiros candangos que iam à cidade em busca de alimentos, ferramentas, remédios, utensílios domésticos. “A gente ouvia falar (na mudança da capital), mas não acreditava. O avô de Viriato, também Viriato de Castro, havia sido guia da Missão Cruls, no fim do século 19. O pai, Velusiano, ajudou a erguer a pedra fundamental de Brasília, em Planaltina, em 1922.

 (Zuleika de Souza/CB/D.A Press )
A tradição de participar da mudança da capital continuou em Viriato neto. Ele ajudou a construir o primeiro galpão da Novacap. “A madeira foi toda carregada nas costas. Era pau de pindaíba (retirado) lá daqueles brejos. Trabalhei em Brasília quando não tinha uma alvenaria assentada. Arrancava capim do brejo pra fazer colchão.” Depois, Viriato percebeu que havia modo mais inteligente de ganhar dinheiro: plantando o de comer. Descobriu que os cariocas gostavam de feijão-preto — variedade pouco conhecida entre os goianos. “Ganhei muito dinheiro com feijão-preto. A primeira coisa que comprei pra mim foi (com o lucro) do feijão-preto. Comprei meu primeiro carro de boi, com 12 bois”.

Enquanto Viriato desfilava com seu carro de boi pelas trilhas de Planaltina, tratores de esteira abriam o Eixão. “Aquelas máquinas enormes derrubando aquelas sucupiraiadas, aquele pauzeiro... A gente parava e admirava. Uma máquina arrancar um pau desses?!” Antes da chegada dos homens e das máquinas, a área onde o Plano Piloto foi feito era conhecida apenas por servir de passagem para quem ia pescar na cachoeira do Rio Paranoá. “Naquele tempo, a gente não sabia o nome piracema. A gente dizia que era o tempo de o peixe subir. O peixe subia e caía do lado, na terra. A gente fazia uma cerquinha e deixava. No dia seguinte, aquilo estava cheio de peixe.”

O tempo parou
O carro de boi continua na porta da casa centenária, o fogão a lenha segue cantando música crepitante, o chão do puxadinho da cozinha é de cimento vermelho, o gado come palha de milho e os gatinhos recém-nascidos estão enroscados no tapete de retalho. É de se perguntar, afinal, que mudanças Brasília trouxe para a vida de Viriato. “Muitas. Mudou tudo. De primeiro a gente morria de apendicite, de doencinha à toa. Mulher morria de parto. Meu tio ficou no sol, com três cobertores, tremendo de bater queixo, era maleita. Só de Goiânia ser a capital de Goiás (antes era Goiás Velho), já foi um lucro doido pra nós. Veio estrada, veio patrola.”

Só uma coisa não mudou para melhor. “O único trem que a gente perdeu de bom e não vai ter nunca mais é a amizade, a confiança. A gente tinha confiança em todo mundo. Ninguém precisava escrever nada. Você podia vender uma boiada. ‘Tal dia eu te pago’, tal dia vinha e pagava. Hoje acabaram os homens de confiança. De primeiro os homens eram mais homens do que hoje.”

A casa, secular, resiste ao tempo %u2014 assim como a cachaça, engarrafada há 18 anos (Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press - 16/6/09
)
A casa, secular, resiste ao tempo %u2014 assim como a cachaça, engarrafada há 18 anos


O velho Viriato continua o mesmo: acorda na escuridão e dorme quando o corpo acusa o cansaço. Cuida da plantação, do gado, da rapadura, dos dois tratores. Uma vez por mês, vai a Planaltina receber a aposentadoria e de vez em quando ao cardiologista. Toma oito comprimidos por dia e conta histórias de antes de Brasília para os visitantes. Sempre há alguém querendo conhecer a memória ancestral da cidade moderna. Viriato de Castro e Maria Clementina tiveram sete filhos, três dos quais já morreram. Têm 13 netos, dois bisnetos e, fechado com rolha de bálsamo, um garrafão de 20 litros de pinga, acondicionada há 18 anos. Há dois outros, enterrados ele não sabe mais onde, há mais de meio século. E histórias, como a do alemão que vivia escondido em grutas e do ouro do Urbano, um tesouro que certo bandeirante escondeu em algum ponto do agora Distrito Federal e que ninguém nunca encontrou. Viriato de Castro é um bem precioso. A gente passa por ele e fica mais rica. 

Trabalho organizado pela arquiteta Lenora Barbo levanta origens de Brasília

Ver o Distrito Federal representado como um pequeno retângulo claro e vazio em meio ao mapa de Goiás sempre incomodou a arquiteta e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) Lenora Barbo. A imagem de uma Brasília sem passado, que passou a existir somente em 1960, nunca satisfez a estudiosa. Lenora decidiu debruçar-se sobre o tema, em busca de revelar o cenário de outros tempos no Planalto Central, distantes da modernidade atual. 
Em parceria com o também arquiteto e pesquisador Wilson Vieira Júnior, ela chegou a descobertas inesperadas. Uma das mais interessantes diz respeito ao primeiro mapa do DF, feito quando o “quadradinho” ainda fazia parte da chamada Capitania de Goiás, em 1748. Lenora e Wilson afirmam que o documento, de autoria inicialmente atribuída ao italiano Tosi Colombina, foi, na verdade, elaborado pelo português Ângelo dos Santos Cardoso, escolhido pelo rei Dom João V para fiscalizar a capitania. 

Cardoso traçou o mapa depois de andanças por toda a região. Retratou rios, montanhas e sítios. Naquela época, para surpresa dos pesquisadores, já citava a região de Sobradinho — o que, segundo Lenora, mostra que Planaltina pode não ser a cidade mais antiga do DF. “Sobradinho já existia, não como uma vila, como era Mestre d´Armas, hoje a chamada Planaltina, mas era um sítio, cheio de casas. Os filhos do fazendeiro se casavam e ele ia construindo as moradias”, explicou. 

Na busca pelo conhecimento, Lenora mergulhou no acervo de sebos e bibliotecas. Encontrou, em um cartório em Brasilinha, no Entorno, um mapa raro do DF feito em linho, que, sem cuidados especiais, se deteriorava. No mesmo estado de abandono se encontram as casas coloniais de Planaltina e Sobradinho, imóveis que o trabalho de Lenora e Wilson comprovou terem mais de 200 anos de idade. 

Neve 

As conclusões do estudo vieram da análise de diários de viagem de homens que passaram por essas terras entre os séculos 18 e 19. De próprio punho, eles relatavam o clima no local onde seria futuramente o DF. Falavam também dos mapas que Lenora passou a procurar. Em um dos trechos curiosos de tais documentos, um desses viajantes, Cunha Menezes, em 1778, escreveu um relato sobre o clima frio, quase europeu, por aqui. 


Lenora: "O DF teve a mesma importância que São Paulo, por exemplo. É um local de importância estratégica para o país. Mas ninguém fala disso


“Em uma carta escrita por Menezes, ele dizia claramente que nevou, próximo à região onde hoje fica o Lago Oeste. O viajante passava por aqui vindo do Rio de Janeiro, para assumir como governador da Capitania de Goiás”, afirmou Lenora. 

A pesquisa de Lenora deu origem ao livro Preexistências de Brasília — Reconstruir o território para construir a memória. Um dos capítulos é dedicado aos viajantes que percorreram o que seria o DF, à época ainda deserto. Por aqui, nos séculos passados, estiveram pessoas como o tropeiro José da Costa Diogo, de idade e origem desconhecida, mas que buscava minas de ouro (veja quadro). 



Origem 

Nascida em Goiás, Lenora, desde cedo, aprendeu a gostar de Brasília. Trabalha há quase duas décadas como consultora da Câmara Legislativa, opinando em projetos que envolvem, por exemplo, os recursos hídricos e a geografia do DF. O desejo de desvendar um pouco mais a história da capital veio em 2004, quando a arquiteta ganhou de presente do amigo um livro escrito pelo pai dela, Manoel Demóstenes Barbo, intitulado Estudos sobre a nova capital do Brasil. 



“Eu já tinha visto o livro em casa, quando era pequena. Despertou a vontade de descobrir mais sobre esse passado. Ficava a impressão de que, antes dos anos 1960, Brasília era uma cidade sem história, o que não é verdade”, explicou. 



Lenora nunca havia estudado cartografia. Ao elaborar sua tese de mestrado, dedicou-se à interpretação de mapas dos séculos passados. Ao comparar imagens de satélite, modelos de topografia digital e mapas antigos, a pesquisadora conseguiu mostrar que a Estrada Real, uma importante rota histórica do Brasil, passava por dentro do DF. 

“O DF teve a mesma importância que São Paulo, por exemplo. É um local de importância estratégica para o país. Mas ninguém fala disso. Os viajantes que passaram aqui relatam as dificuldades de transporte, pediam para pernoitar nas fazendas de Sobradinho. Muita gente tentava descobrir como produzir aqui e levar para o litoral.” 

A pesquisa constatou que o trecho brasiliense da Estrada Real seguia o Espigão Mestre, formação geológica que divide as bacias hidrográficas do Tocantins/ Araguaia, Paraná e São Francisco. A área, localizada na parte norte do DF, ainda hoje é dominada por chapadões. A tese de doutorado de Lenora acaba de ser aprovada pela UnB. O projeto pretende estender a pesquisa para regiões do Entorno do DF. “Temos um potencial turístico desperdiçado. Além disso, nós precisamos descobrir coisas em comum com o nosso entorno”, destaca. 

Tanto trabalho serve para chamar a atenção do governo para a preservação do nosso patrimônio histórico e para a exploração turística. É também uma tentativa de incluir no conteúdo de sala de aula, nas lições de história de Brasília e do Brasil, um aprofundamento de conteúdo. “Eu também admiro essa modernidade de Brasília. Mas também temos um passado mais distante. O menino de Planaltina precisa saber que o antepassado dele pode ter contribuído muito antes de Niemeyer chegar”, acredita Lenora. 

O próximo passo da pesquisadora será refazer a viagem pela parte do DF da Estrada Real. Há segmentos que passam pela DF-001 e dentro do Parque Nacional. “Convidei um grupo de ciclistas voluntários para me acompanhar e estamos organizando esse projeto”, conta. Ainda este ano, será criado na UnB o Laboratório de Cartografia Histórica, resultado do trabalho de pesquisadores da história, arquitetura e geografia. Mais uma vitória de quem se importa com as raízes do solo candango. Assim, a história do DF vai renascendo e sendo construída, tudo ao mesmo tempo. 

Historiador 

Nascido em Anápolis, o professor da UnB Paulo Bertran Wirth Chaibub era um dos maiores entusiastas da história de Goiás. Dedicou-se intensamente aos estudos da época do Brasil Colônia na região onde se instalou Brasília. Morreu em 2 de outubro de 2005. Seus trabalhos estão disponíveis gratuitamente na internet, no site www.paulobertran.com.br. 


Conheça os viajantes 

José da Costa Diogo — 1734 

» Tropeiro, parte das margens do Rio São Francisco à procura do ouro das minas dos Goyazes. Ele escreve um diário de viagem — transcrito no livro Viagem pela Estrada Real dos Goyazes —, o relato mais antigo encontrado até agora de viagem pelas terras do DF. 

Tosi Colombina — 1751 

» Francisco Tosi Colombina, engenheiro militar e cartógrafo genovês a serviço da Coroa Portuguesa, foi o autor de mapas e registros de ocupação do Planalto Central em meados do século 18. Propôs construir uma estrada de São Paulo para Cuiabá, passando por Vila Boa, atual Goiás Velho. Em contrapartida à construção, pedia uma sesmaria a cada três léguas de toda a extensão da via e o privilégio de explorar a estrada por um período de 10 anos. O privilégio foi concedido, mas Colombina não construiu a estrada. 

Barão de Mossâmedes — 1773 

» Dom José de Almeida e Vasconcelos de Soveral e Carvalho, governador da Capitania de Goiás, saiu de Lisboa em setembro de 1771, chegando a Vila Boa em julho do ano seguinte para tomar posse no governo de uma das mais extensas capitanias do Brasil setecentista. O Diário de viagem do Barão de Mossâmedes: 1771-1773 é o relato da viagem feita pelo governador da cidade do Rio de Janeiro à capital de Goiás. O ajudante de ordens Tomás de Souza, escriba e geógrafo, fez os dois mapas da capitania. 

Luís Cunha Menezes — 1778 

» O fidalgo português foi o quinto governador e capitão-general da Capitania das Minas de Goiás, de 1778 a 1783. Deixou o manuscrito Jornada que fez Luís da Cunha Menezes da cidade da Bahia para Vila Boa, capital de Goiás, onde chegou em 15 de outubro de 1778. Veio pela estrada salineira da Bahia. 

Cunha Matos — 1823 

» Brigadeiro português, serviu como soldado em São Tomé da África por 19 anos. Escreveu a Corografia Histórica da Província de Minas Gerais e uma resumida Corografia Histórica da Província de Goiás. Veio pelo caminho do correio de Goiás. 

Luiz Cruls — 1892/1894 

» O astrônomo belga chefiou a célebre Missão Cruls em duas expedições. A primeira, de 1892 a 1894, foi quando ele percorreu o Planalto Central para estudar a região e definir a área onde seria construída a futura capital. Define o quadrilátero de 14,4 mil quilômetros quadrados. 

» No segundo semestre de 1894, Cruls voltou para 

concluir alguns estudos e definir a área exata da 

Prostitutas de Planaltina amargam o fechamento dos bares e o consequente sumiço dos clientes


Numa rua do Setor Tradicional da centenária cidade, que já abrigou mais de 500 mulheres em décadas passadas, esvaziou-se. Hoje, não se contam mais do que duas dúzias delas, sentadas nas calçadas, à espera dos seus poucos homens e trocados
A espera solitária de mais um cliente: dia 5 de cada mês, eles aparecem mais
A espera solitária de mais um cliente: dia 5 de cada mês, eles aparecem mais
Brasília se erguia. O sonho viraria cidade. Pedreiros, carpinteiros, marceneiros, doutor de terno, todos se embrenharam na construção. A vida em Planaltina, a 40km da futura capital, existia de verdade. Lá, tinha comércio, praça, casarões coloniais e elas, as meninas que divertiam os meninos da terra goiana. Os peões e os doutores também ouviram falar das moças de lá. Oxalá! Planaltina, hoje uma senhora de 150 anos, foi descoberta pela segunda vez.

Inaugurou-se a capital. Corriam os anos 1960. A vida seguiu. O Setor Tradicional de Planaltina era o lugar dos bem nascidos, das famílias de prestígio, dos fazendeiros, coronéis, políticos. Na Rua Marechal Deodoro, da igreja matriz, mais lá pro fim dela, as meninas decidiram que ali se instalariam. Para a alegria dos meninos (muitos deles hoje cinquentões e até sessentões).

O padre torcia a cara. Falava em pecado na missa. As meninas que satisfaziam os meninos daquela gente rica que assistia ao sermão dominical não eram muito bem-vindas no templo sagrado. Mas, tinhosas, elas iam. Afinal, na casa de Deus não pode haver cadeado. A vida seguia. E todo mundo fingia. As senhoras de fino trato ignoravam que elas estivessem ali. Seus maridos e filhos adolescentes, sabedores de cor dos nomes das moças, idem. Quanta hipocrisia!

Vieram os anos 1970. A prostituição e a boemia na região só cresciam. Moças de toda a redondeza de Goiás e até de Minas Gerais foram ganhar a vida naquele fim de rua do Setor Tradicional. O negócio era lucrativo, sempre ao escurecer. Ali faziam sexo por dinheiro, dormiam, comiam e planejavam deixar “aquela vida”. Quase nenhuma deixou. Chegaram os anos 1980 e 1990. A prostituição escancarou-se de vez. As meninas, abusadas, desafiavam tudo e todos. Os botecos e os muquifos onde elas recebiam os clientes, das primeiras horas da manhã até alta madrugada, proliferavam na região.

“Meu Deus do Céu, tinha dia que eram pelo menos umas 500 mulheres ali. A confusão era diária”, conta Antônio Carlos Dutra, nascido em Planaltina, 61 anos, policial civil aposentado, ex-chefe da seção de investigação da 16ª DP. “Cansei de atender ocorrência dali.” Como o tempo é inexorável, tudo mudou. “Agora a prostituição diminuiu e chegou o tráfico de drogas.”

Os anos 2000 chegaram com força de cão. A internet já era uma realidade. Os meninos adolescentes agora não mais precisam dos préstimos das moças da Marechal Deodoro. Têm as garotas, de programas ou não, a hora que quiserem. Bem informados, sabem que devem usar camisinha e das consequências das doenças venéreas. A um clique na tela do computador a mulher desejada, se quiser, pode virar real. Definitivamente, mudaram-se os tempos.

A cada ano dos anos 2000 a clientela foi desaparecendo. Hoje, as moças da Marechal esperam avidamente o dia cinco de cada mês chegar. Dia 5? Sim, é data de pagamento dos trabalhadores das fazendas da região. “Praticamente, hoje só os peões da zona rural procuram por elas. Acabou”, diz Dutra, o policial civil. Há cerca de dois anos, mais um golpe para as meninas de vida nada fácil. Por determinação judicial, todos os botecos e muquifos daquela região foram fechados. Foi o fim. O silêncio gritou na rua da alegria. A sociedade, em nome da moral e dos bons costumes, comemorou. O índice de criminalidade, alegam, reduziu.

Resistência
Manhã de sexta-feira. O Correio foi à Rua Marechal Deodoro. De longe, a constatação do que os moradores avisaram antes de se chegar ali. Parece um lugar em abandono. Muito poucas resistiram. E as que ficaram vivem lá mesmo. Cansadas de guerra, as duas mais antigas, as que chegaram desde os áureos tempos, aposentaram-se. Mas ainda abrigam em suas casas algumas mais jovens.

Hoje, aos poucos, a região foi invadida por salões de beleza e igrejas evangélicas, dessas que se proliferam como gripe no inverno. Não se contam mais do que 10 moças, no mesmo lugar onde havia centenas delas. Uma dessas guerreiras aceitou uma conversa mais demorada. Eva (nome fictício), 60 anos, tem tanta história para dizer como os seus mais de 100 quilos que carrega pelo corpo arrebentado pela artrose. Negra, marca do sofrimento na cara, mas sorriso de quem entende da vida, ela falou de um tempo em que só ficou na memória dela. “Eu era danadinha. Botava gente pra chorar.”

Bares fechados, rua vazia, o fim de um espaço antes repleto de bebidas e mulheres (Gustavo Moreno/CB/D.A Press
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Bares fechados, rua vazia, o fim de um espaço antes repleto de bebidas e mulheres
Eva diz que entrou na prostituição por não ter escolha. “Com 12 anos e nove meses de idade eu tive meu filho. Depois, fiquei sozinha, sem ninguém. Tive que me virar pra não passar fome e parei nos cabarés.” O filho da menina que fez homem chorar cresceu. Ela virou mulher experiente. Rodou por muitos lugares. Hoje, senta-se à porta da casinha onde mora e vê a vida passar perto das moças que ainda não abandonaram a batalha na região.

Desolada com os novos tempos, ela reclama: “Ih, hoje tá muito diferente. A coisa aqui era uma festa. Parecia terra de garimpo. Agora, as meninas não têm mais cliente, o povo sumiu tudo...” Mesmo sem a movimentação de antes, agentes da Secretaria de Saúde passam toda quarta-feira distribuindo camisinha para as moças. “E tem o Grupo Arco-Íris, que faz palestras sobre prevenção das doenças e leva quem quiser pra fazer o teste HIV na Rodoviária”, continua a mulher que carrega o peso de uma vida sofrida e jura que há duas décadas não faz mais programas.

Os programas são realizados nos hoteizinhos malcheirosos da região. Ou mesmo em cubículos improvisados atrás de algumas casas. Variam de R$ 20 a R$ 40, dependendo do tempo gasto com o cliente e da preferência dele. “Mas sem camisinha não faço de jeito nenhum, pode me pagar até R$ 500 que não aceito”, diz uma prostituta morena, de cabelos negros, tatuada nos braços e na região lombar.

Com cara de poucos amigos, a mulher de cerca de 30 anos não é de muita conversa. Tempo é dinheiro. Não pode perder a movimentação dos homens que passam a pé pela rua. Convida-os para “uma conversinha”, uma cerveja gelada. Sim, sempre tem uma guardada na velha geladeira. Provoca-os. Chama-os de amor.

Alguns se demoram mais na prosa e vão embora. Outros entram para os cubículos. E a vida continua do lado de fora. Normalmente, elas preferem os programas diurnos. “À noite, o perigo é grande, tem muito ‘mala’ por aqui”, diz a moça tatuada.

Humilhação
Na mesma rua, mora a mais antiga do pedaço. Jussara (nome fictício), mineira de 74 anos, um filho, três netos, mais de meio século na batalha, hoje se aposentou pelo INSS. “Nasci em Uberaba e comecei na vida no começo de Brasília, lá no Núcleo Bandeirante.” Muitos anos depois, mudou-se para Planaltina, de onde nunca mais saiu. “Ah, moço, aqui não existe mais nada. Depois que os bares fecharam, o povo sumiu.”

Se para Jussara a vida ali acabou, Carla, 35 anos, goiana, ensino fundamental completo, ex-doméstica, ainda insiste. “Tem dia que não aparece um cliente. Eles só vêm depois do dia 5, quando recebem dinheiro. Aí consigo fazer até cinco programas”, contabiliza a moça. Às 8h30 da manhã, coloca a cadeira na calçada da casa — detalhe: à sombra. E fica ali até o sol ir embora. Pinta os lábios de vermelho-sangue, veste uma blusa decotada, geralmente bermudão e exibe, do alto das sandálias de salto alto, as pernas torneadas.

À noite, diz ela, a violência é grande e tem muita droga. “Quando o bar ficava aberto, a gente tava menos exposta. Agora tá ruim”, reclama. E admite, com sinceridade, a exposição: “Eu acho humilhante, sinto muita vergonha, principalmente quando passa um ônibus e as pessoas ficam me olhando”. A moça goiana revela que faz exames regulares: “Até sexo oral, só com camisinha”. Comemora o fato de agora mandar nela mesma. “Quando a gente trabalha em boates, tem hora até pra almoçar. Preferi ser dona de mim mesma.”

Romântica, a moça de gestos e fala educada diz ter namorado sério. “Ele sabe, é caminhoneiro, mas não sente ciúmes.” E planeja: “Como toda mulher, quero me casar e arrumar um bom emprego”. Enquanto o príncipe encantado não chega, a moça de cabelos compridos pintados de loiros senta-se à calçada à espera que qualquer um a leve para um quarto e pague pelos seus serviços sexuais. Mas ela não o chamará de amor. E nem o beijará na boca. “Só com o meu namorado”, decreta. Na Marechal Deodoro, na rua da igreja matriz, toda a história de Planaltina jamais poderia ser contada se não existissem elas, as meninas que trocam sexo por dinheiro — hoje à míngua, à luz do dia.

Quando o bar ficava aberto, a gente tava menos exposta. Agora, tá muito ruim. Acho humilhante, sinto vergonha dessa exposição”
Carla, 35 anos, prostituta, goiana

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Visita dos alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília ao Centro Histórico de Planaltina


Uma das mais prazerosas atividades da Associação é receber alunos de instituições públicas ou privadas do DF e de várias etapas curricular.

Nesse dia 24, recebemos para visita técnica, a turma do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília (UCB). Acompanhados pela Prof. Iara, visitaram a Igrejinha São Sebastião  onde  nos apresentamos e apresentamos a Igrejinha como nosso patrimônio maior. Na oportunidade falamos dos problemas estruturais da Igrejinha e das articulações em curso para sua restauração, as normas e legislações vigentes para a proteção dos bens de Planaltina foi a questão de destaque.

Durante a excursão foram visitadas as ruas e praças do Centro Histórico, a Igrejinha São Sebastião, A Casa de Câmara e Cadeia, os casarões da Pracinha do Museu e por fim o MHAP- Museu Histórico e Artístico de Planaltina.

Terminada a visita, tivemos a certeza de que contribuímos para que os estudantes apliquem seus conhecimentos na sala de aula. E fora de aula, que além do conhecimento técnico, também  tenham apreciado a realidade urbana com características arquitetônicas distintas da Brasília moderna.

Para nós, além de expormos a luta, também favorecemos o contato mais aprofundado das pessoas com a cidade, com a cultura e com o rico patrimônio de Planaltina.


                                                                                Fotos :Rodrigo Otávio