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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O INVENTÁRIO DO TEMPO

Márcia Néri, da equipe do Correio Braziliense)

Fotos: Cadu Gomes/CB
O INVENTÁRIO DO TEMPO
(Márcia Néri, da equipe do Correio Braziliense)

Quem passa pelo antigo centro de Planaltina dificilmente deixa de notar um simpático casarão construído no século 19 em estilo colonial que fica em frente à Praça Salviano Monteiro. E quem tem a curiosidade de entrar logo descobre que se trata do Museu Histórico e Cultural da cidade, recuperado e entregue à população há pouco mais de um mês. O local guarda a história e preserva a tradição das pessoas que viveram na região, que até 1917 era conhecida como Vila Mestre D'Armas em homenagem a um armeiro que morava nas redondezas. No interior do casarão de janelas e portais azuis estão expostos móveis, fotos e peças usadas no cotidiano da tradicional família Guimarães, dona do imóvel até 1973. Relíquias como roteiros da Missão Cruls também podem ser apreciadas.

Os Guimarães eram influentes em Planaltina e tinham como tradição acolher comissões e caravanas que vinham ao Planalto Central para estudar aspectos geográficos, sociais e geológicos relativos a viabilidade da construção da nova capital do país. Alguns de seus integrantes eram políticos importantes na cidade. Eles moraram no casarão até 1973, quando Francisco Mundim Guimarães, prefeito várias vezes, e sua esposa, Maria América Guimarães, doaram o imóvel ao GDF. Descendentes que ainda moram em Planaltina dizem que a casa foi palco de reuniões dos pioneiros que tinham como desafio ajudar Juscelino Kubitschek a construir Brasília.

Originalidade
O resultado da reforma surpreende moradores antigos. Os restauradores usaram réplicas de telhas, do assoalho e do forro para deixar o casarão idêntico ao modelo original. A mobília e os pertences da tradicional família fazem parte do acervo que está exposto aos visitantes no Museu. Os bens que retratam o ambiente das antigas residências goianas estão em todos os cantos. Entre os objetos, um piano alemão de 1925, o primeiro trazido para Goiás. As curiosidades não param por aí. Em um dos quartos, o visitante se depara com uma antiga cadeira de dentista e alguns instrumentos usados por um membro pioneiro dos Guimarães, que era médico. Além disso, armários de madeira e mobiliário, como cadeiras e mesas, completam o ambiente do imóvel e ajudam a resguardar a história. Um relógio de parede de 1899, que parece ignorar o tempo, com os ponteiros parados, um porta-chapéus e uma cristaleira do século passado definem nos espaços amplos da casa, um certo clima de nostalgia. As relíquias ilustram um passado bem distante que contrasta com a realidade moderna e contemporânea de Brasília, a 38km, como se fosse a outra face da moeda arquitetônica da história.

A população de Planaltina não esconde o orgulho de ter o casarão preservado e tombado. Para o vendedor de doces, Geraldo Matias Leite, 61 anos, os moradores estavam tristes com o abandono e o descaso sofridos pelo patrimônio nos últimos anos. 'A situação era precária antes da reforma, o imóvel servia de abrigo para ratos, baratas e cupins. Nossa história estava desaparecendo, ruindo como as madeiras do assoalho antigo da casa', conta. O vendedor confessa estar aliviado e satisfeito porque seus netos poderão conhecer fatos relevantes e documentos que contam como Planaltina foi importante para a construção da nova capital. 'Se o patrimônio é cuidado, sempre teremos pessoas interessadas em aprender, conhecer mais a respeito dos fatos que aconteceram perto de Brasília. Notei que depois da restauração, as visitas ao local são constantes. Muita gente tem vindo prestigiar o museu', acrescenta.

Preservação
Mas, segundo alguns moradores, é preciso mais cuidado com as relíquias e objetos que estão no interior do casarão. Para eles, a preservação deve ir além da reforma do antigo casarão. Segundo a integrante da Associação dos Amigos do Centro Histórico de Planaltina, Simone Macedo, apesar do apoio do Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal (Depha), é difícil preservar a história na região. Ela alega ser quase impossível promover o conhecimento e divulgar a cultura entre os que procuram o local porque as peças do espaço ainda não estão catalogadas. 'Precisamos de pessoas capacitadas para catalogar os objetos do Museu, que até hoje estão sem identificação. Não temos especialistas para acompanhar as visitas também, reivindica Simone. O diretor do Depha, José Carlos Coutinho, explica que o espaço passou por um longo período de reforma na estrutura física e que obras de complementação ainda serão providenciadas. 'Já recomendamos uma vistoria no acervo e um estudo museográfico para que as peças fiquem expostas de maneira correta e adequada. Planejamos também fixar nas dependências da casa um painel explicativo que conte a história tanto do casarão, quanto do restauro', afirma Coutinho.
Importância
Segundo ele, o imóvel é realmente um espaço importante para região da capital. 'Planaltina pode ser considerada um embrião de Brasília. Esse casarão guarda objetos e histórias que mudaram o rumo do país. Por isso, o museu merece toda a atenção', acrescenta. Além dos objetos já expostos atualmente, faz parte do acervo uma biblioteca cujos livros e documentos em breve voltarão para as dependências do Museu. 'Como o casarão faz parte do patrimônio tombado do Distrito Federal, é preciso planejamento e cuidados especiais. A intenção é torná-lo uma referência cultural na cidade. Estamos nos reunindo com a administração regional para tratar desses detalhes', garantiu o diretor do DePHA. O administrador de Planaltina, Aylton Gomes, afirma que parte do acervo ainda vai passar por restauração. 'Queremos incentivar os moradores mais antigos a doarem peças', afirmou ele. O Centro Histórico de Planaltina é tombado como Patrimônio Histórico do DF desde 1982. O decreto que instituiu a medida assegura a preservação do prédio e das áreas próximas e prevê penalidades para quem destruir, mutilar ou alterar suas características originais.